As variáveis da crise da arte contemporânea, não a inadequação dos meios de comunicação, enquanto transporte de informações, e a ineficácia da informação enquanto linguagem, pensamento e ação.
Embora o uso das palavras comunicação e informação na literatura científica não assuma significado unívoco, entendemos por comunicação o transporte, processamento e mecanismo técnico utilizados para a transmissão da informação. Destarte, tanto o objeto artesanal, o quadro, como a máquina que reproduz ou complementa algumas funções do sistema nervoso, do cérebro ou do comportamento humano na atividade artística, reproduzindo-as mediante um órgão artificial, integram sistemas de comunicação.
A obsolescência do sistema de comunicação da arte tradicional reside na limitação de consumo implícita na natureza do meio de transmissão. O número limitado de fruidores possíveis, os custos elevados, a área de atendimento e as dificuldades técnicas do sistema de comunicação da arte tradicional estão aquém da demanda cultural quantitativa e qualitativa da sociedade moderna.
As obras tradicionais são objetos físicos a serem apresentados em locais fisicamente determinados, pressupondo o deslocamento físico dos fruidores. Numa cidade como São Paulo, de oito milhões de indivíduos, cujas projeções populacionais para 1990 prevêem uma cifra de mais de dezoito milhões de habitantes, essa forma de comunicação não é viável. E ainda menos o será para uma cultura a níveis nacional e internacional, básicos para o desenvolvimento harmônico da humanidade.
Essas evidências simples não parecem ter sido suficientemente compreendidos. Artistas de formação basicamente tradicional pensam em resolver a crise comunicativa saindo das galerias e indo para a micro-paisagem urbana ou para o micro-paisagem regional, embrulhando montanhas por exemplo. Parecem não ter percebido que o obsoleto está na natureza da coisa e não na sua escala.
De fato, a arte tradicional é mais conhecida mediante a reprodução dos meios mecânicos e eletrônicos de comunicação do que através do consumo direto. Essa tradução ou comutação comunicativa implica, porém, em perda de informação do ponto de vista de mensagem pretendida na origem. A recíproca é verdadeira: a tradução para a tela de mensagens da comunicação de massa (Pop) não escapa do mesmo destino de degradação do nível informativo. A conversão digital da imagem analógica mediante a retícula ou o RCT da TV pode alterar substancialmente a estrutura guestaltiana da mensagem. Concluímos então que a mudança de comunicação é também mudança de informação.
A obra que implicitamente define o espaço físico do seu próprio consumo, setoriza o ambiente, pressupondo uma zona específica para a fruição artística.
Por outro lado, a crise de informação da arte contemporânea deriva de uma problemática artística que parte de outras problemáticas artísticas. Daí resulta que a originalidade constitui, em última análise, o melhor dos elos para a continuação da tradição, perpetuando a alienação do desenvolvimento linear do processo artístico. Essa é também uma setorização, agora não apenas física mas também semântica, na medida em que o consumo da obra de arte requer um conhecimento específico prévio de repertórios exclusivos. A setorização comunicativa e informativa conflita com o caráter interdisciplinar e integrado da cultura planetária.
A utilização de meios eletrônicos pode proporcionar uma solução para os problemas comunicativos da arte mediante a utilização das telecomunicações e dos recursos eletrônicos, que requerem, para a otimização informativa, determinados processamentos da imagem. No caso da arteônica o transporte não implicaria transformação. A utilização dos novos meios comunicativos pouco significaria, no entanto, se não levasse em conta as mais diversas variáveis da cultura. Aumentando o número de fruidores, a situação da cultura se torna mais diversificada e o feed-back mais complexo. Na medida em que a compreensão das condições gerais esteja à base de todo esforço criativo, o ato de criar vem exigir métodos mais complexos e meios mais rápidos do que aqueles até agora utilizados. Nesse rumo é que a arte poderá reencontrar as condições para o desempenho da sua função criativa.
Sabe-se que a mera utilização do computador não significa por si só a solução de todos os problemas. Nota-se, por exemplo, uma tendência para o virtuosismo técnico, quase um neoformalismo visando a uma demonstração hedonística sofisticada. Essa tendência, embora não formule problemas novos no campo da arte, em virtude dos processos automáticos empregados, possui o grande mérito de desmitificar a arte tradicional e contribuir para a análise de processos da mente na atividade artística. Se os problemas artísticos puderem ser tratados por máquinas, ou por equipes que incluam o ``partner'' - computador, poderemos saber mais a respeito de como o homem trata os problemas artísticos. A simulação reproduz com eficaz rapidez a produção artística tradicional, exaurindo-a, esvaziando-a, fornecendo a radiografia e os elétrons do seu cadáver, o que vale por uma certidão de óbito do misoneísmo. Essa tendência, embora lance mão de recursos vastos, se autolimita à setorização já por nós apontada a respeito do diagnóstico das possibilidades comunicativas da arte tradicional, embora nessa condição setorial promova inegavelmente uma operação iconoclasta altamente higiênica. O problema mais urgente não é, contudo, o de rivalizar com a arte tradicional, porquanto isso equivaleria a aceitar um campo de atuação já condenado à absolescência definitiva.
Uma segunda tendência da arte eletrônica visa a realizar obras interdisciplinares aproveitando pesquisas e descobertas no campo da Neurologia e da Psicologia (Gestalt), processando nesse sentido imagens com a ajuda do computador. Tipicamente sintática, essa tendência se inscreve na faixa da arte concreta desenvolvida nas condições históricas da primária revolução industrial (suprematismo, neoplasticismo, construtivismo, etc., até a arte concreta), que criou uma linguagem de máquina para a comunicação da sociedade urbana e industrial. A esse respeito podemos destacar as semelhanças evidentes entre a arte concreta e a computer art.
O fato de que as tendências sintáticas (a arte concreta, a cinética e a programada) tenham sofrido no decorrer da década 60/70 uma profunda crise, deu-se em virtude principalmente do aparecimento de uma nova cultura popular de massa, possibilitada pelos meios eletrônicos de comunicação (que se refletiu de diferentes maneiras no campo da arte, particularmente através de endereços conservadores - como o Pop, o novo-realismo e a nova-figuração), tornando-se responsável pela introdução no problema arte de novas variáveis, que transcendem as impostações meramente sintáticas. Deve-se salientar, contudo, a importância, no domínio da conscientização das atividades humanas, do desenvolvimento da pesquisa sintática, elevada dos meios mecânicos para os eletrônicos.
Por fim, extraordinária significação assume para a cultura a utilização do computador do domínio da imagem com finalidades exclusivamente técnicas e científicas, notadamente no campo da leitura, reconhecimento e interpretação automáticas de ``patterns'', proporcionando recursos imensos não apenas para a programação criativa como para a programação de estudos críticos das mensagens artísticas.
No Brasil a Computer Art encontra antecedentes metodológicos da Arte Concreta, que apareceu no fim da década de 40 e teve seu maior desenvolvimento, atingindo o apogeu, na década 50/60. A arte concreta foi no Brasil a única que utilizou métodos digitais para a criação. Coincidindo com o período que apresentou o maior índice de industrialização, a arte concreta no Brasil, principalmente nas áreas urbanas, forneceu algoritmos largamente utilizados para comunicação através de meios industriais de produção. A arte concreta visual influi decisivamente sobre a vanguarda na poesia, na música e na programação visual.
Na visão prospectiva da importância dos meios eletrônicos para a cultura nacional, deve ser salientada a variável da extensão territorial. Para os demais campos da atividade social, o sistema de telecomunicação, atualmente em processo de expansão, constitui um fator de relacionamento, aproximação e integração. Essa mesma macro-infraestrutura da comunicação poderia oferecer os meios para o desenvolvimento de uma cultura artística de âmbitos nacional e internacional. A cultura enfrentou no passado dificuldades físicas provenientes de uma ocupação do território nacional por núcleos de diferentes dimensões, separados por distâncias de milhares de quilômetros, áreas essas com densidades populacionais baixíssimas, às vezes praticamente vazias. Por outro lado, no interior desses núcleos, a proximidade excessiva chega a degradar as condições de vida, comprometendo as possibilidades comunicativas. Os recursos eletrônicos de comunicação poderiam corrigir essas duas anomalias, permitindo um melhor equilíbrio ecológico entre o fator físico e o comunicativo.
O processo cultural pelas telecomunicações está ocorrendo - e é irreversível - sob a orientação de técnicos, que nem sempre possuem uma visão profunda, global e humanística dos problemas. Note-se, porém que quando nos referimos a uma visão profunda, global e humanística pretendemos desligar essa imagem da chamada ``cultura superior'' acadêmica, que é mais enfadonha, medíocre e inexpressiva do que o kitsch da comunicação de massa. Os meios eletrônicos no Brasil facilitam e aceleram a antecipação da cultura sobre a realidade sócio-econômica. Através do espaço continental do país, a informação artística poderia atingir os lugarejos mais remotos e isolados do território muito antes do que os equipamentos materiais da civilização. A esse respeito é altamente provável que as informações do rádio e da TV cheguem aos núcleos habitados da Amazônia antes do asfalto da Transamazônica.
A cultura criativa brasileira, contudo, lamentavelmente, ainda não descobriu a potencialidade da Arteônica.