Há uma terceira onda de visualizações de dados alavancada no contexto da pandemia que extrapola a questão da visualização de dados hipotéticos através de simulações e o uso de dados secundários para evidenciar os desdobramentos da crise. Estamos vivenciando uma crise sanitária que produz enormes quantidades de dados que, por sua vez, são processados e divulgados quase que em tempo real. Contudo, esses dados, mesmo quando visualizados, não são capazes de dar conta de todas as dúvidas e amenizar nossas ansiedades. Diante, da incerteza, incompletude e complexidade do fenômeno, surgem práticas de visualização de dados guiadas por outras motivações. Podemos citar, por um lado, exemplos que promovem a crítica social e o cuidado com a comunidade e, por outro lado, exemplos que propiciam autorreflexão.
Os efeitos desiguais da pandemia
Por práticas de visualização de dados voltadas para crítica social e cuidado da comunidade, queremos enfatizar exemplos que evidenciam o impacto desproporcional da Covid-19 em segmentos mais vulneráveis da sociedade. A contribuição da jornalista e editora de dados do The Guardian, Mona Chalabi, é significativa nesta direção. Talvez por ser descendente de iraquianos e ter crescido em Londres, a jornalista desenvolveu um estilo e abordagem únicos para comunicar dados: suas visualizações (ou, se preferirem, ilustrações infográficas), desenhadas a mão expõem a imprecisão dos dados, colocam o dedo em feridas sociais e desafiam o senso comum.
No contexto do novo coronavírus, Mona desenvolveu uma série temática autoral com cerca de 20 visualizações sobre o assunto. A série, em andamento, foi divulgada em sua conta pessoal no Instagram e algumas visualizações foram publicadas em sua página. A seguir, uma seleção de três visualizações de dados que evidenciam a situação de maior vulnerabilidade de refugiados, negros e encarcerados diante da pandemia.
No contexto brasileiro, o economista Gabriel Vaz de Melo desenvolveu uma série visualizações de dados bastante pertinente sobre os deslocamentos populacionais por serviços de saúde diante da escassez de leitos e equipamentos em diversas regiões do país. A partir de dados da pesquisa REGIC (Regiões de Influência das Cidades) de 2018 divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), Gabriel criou um mapa animado que evidencia o fluxo de deslocamentos por acesso a serviços de saúde de alta complexidade. Em suas palavras: “… enquanto nas regiões Sul e Sudeste os deslocamentos para os serviços de alta complexidade são, em média, de 100 km, no Norte e Centro-Oeste essa média sobe para 276 e 256 km, respectivamente.” A análise sobre essa visualização pode ser lida aqui.

A partir de outras base de dados, Gabriel também criou uma visualização com dois mapas justapostos em que é possível relacionar quais municípios possuem leitos de UTI no SUS e quais municípios possuem casos confirmados de Covid-19. A diferença é gritante aos olhos.

Visualização como forma de autorreflexão e expressão
Por práticas de visualização de dados voltadas para o autorreflexão e expressão, queremos destacar uma mudança mais paradigmática no fluxo de produção de visualizações de dados durante a pandemia. Até o momento, citei práticas de visualizações de dados produzidas por meios de comunicação (oficiais ou alternativos) com objetivo de informar, com clareza e confiabilidade, um público amplo. Para além dessa finalidade, o contexto da Covid-19 evidencia a emergência de visualizações de dados criadas para outros objetivos como a autorreflexão e a expressão. Nessa linha, iniciativas como Diario Visual de la cuarentena, Data Selfie da quarentena e Quarantine portrait utilizam a visualização de dados como uma ferramenta para refletir sobre e representar o cotidiano durante o período de distanciamento social.
Data Selfie da quarentena é uma oficina virtual idealizada e ministrada por mim, Julia Giannella, para os estudantes do curso de Comunicação Visual Design da UFRJ. Inspirada no projeto Dear Data (Giorgia Lupi e Stefanie Posavec, 2015), a oficina tem como objetivo estimular que o participante reflita sobre o período da quarentena a partir da coleta, representação e comunicação de dados pessoais que constituem o pano de fundo de suas atividades diárias durante o isolamento. A seguir, algumas das data selfies criadas pelos estudantes.



